A Logosofia e a Arte de Criar a Si Mesmo – Parte II

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A Logosofia e a Arte de Criar a Si Mesmo – Parte II

Atendendo às consultas que nos são feitas sobre este tema e aos reiterados pedidos para que novamente o abordemos, voltamos a ele, mas não sem fazer notar, antes, que muitos de nossos estudos, publicados nestas páginas, têm estreita relação com a arte de criar a si mesmo.

Em princípio, devemos declarar que esta tarefa não é nada simples, pois não se trata de uma escultura comum que cada um pode realizar, e sim do suprassumo da arte atuando como agente do aperfeiçoamento humano, mas atuando sob a ação direta dos conhecimentos que se utilizem para tal fim. Não incluímos nessa função os que, com meio século de existência, tenham uma personalidade já formada que dificilmente mudariam, porquanto a tais pessoas agrada bem mais inteirar-se da eficácia dos métodos que os demais adotam, interessando-se apenas pelos êxitos obtidos, após o que chegam a aplaudi-los e recomendá-los com veemente entusiasmo. Salvo raras exceções, essas pessoas se acham, além disso, bloqueadas por compromissos sociais e obrigações de todo tipo, os quais, como elas costumam dizer, só lhes dão tempo para passar os olhos num livro ou naquilo que mais desperte seu interesse.

Esclarecido esse ponto, vamos focalizar, para os que queiram cultivar esta arte, os diversos matizes que ela apresenta.

Consideramos subentendido que cada trabalho que a pessoa empreende requer, em primeiro lugar, um estudo e, depois, uma consagração para assegurar o triunfo de seu esforço. Segundo seja o trabalho a realizar, prepara-se o lugar e os elementos de que se valerá. Não se pode pensar, pois, que para o trabalho interno de aperfeiçoamento se haverá de proceder de outro modo.

Quem se decida, após uma ampla reflexão, a manejar o buril para esculpir sua nova imagem psicológica deve pensar se está, com certeza, de acordo com a maneira como conduziu sua vida até esse momento; se é incitado por tudo o que é alheio a seu conhecimento; se o movem anelos íntimos de ser sempre algo mais do que é, levando em conta que, neste caso, ser mais significa possuir um saber que não é comum, por mais alto que as ideias resplandeçam.

Se, com a firme convicção de que não existem em seu acervo interno preocupações dessa espécie, tão singulares e elevadas, a pessoa aceita a oportunidade de criar uma nova individualidade que substitua sua anterior configuração psicológica, terá de começar, com um verdadeiro e nobre empenho, por facilitar à nascente figura tudo quanto ela necessite para poder definir sua expressão e erguer-se viçosa e cheia de vigor espiritual.

Deverá traçar uma linha demarcatória entre o que, por um lado, foi sua vida e o mundo em que atuou – ou seja: sua existência passada, suas questões íntimas, amizades, preferências, inclinações, hábitos e tudo o que pertença a ela – e, por outro lado, a vida que ora inicia e o mundo agora convertido num novo e grandioso cenário, onde haverá de atuar como protagonista de sua própria obra, a obra que seja capaz de realizar em si mesmo.

Mas o fato de fazer tal discriminação não quer dizer, de nenhum ponto de vista, que a pessoa deva bruscamente cortar a ligação com toda a sua vida passada; não. Deverá apenas afastar-se gradualmente de suas modalidades negativas e rescindir daqueles pensamentos que não colaborem em sua declarada ânsia de superação.

O novo mundo a que aludimos é, justamente, aquele que vai ser preenchido com a vida que se inicia e povoado de imagens brilhantes e fecundas. Será necessário, então, que essa vida não se contamine com nada do que lhe possa causar dano. Não é conveniente que, depois de esboçar a imagem da individualidade com a qual cada um aspira a identificar-se, seja ela conectada a tudo o que pertença ao passado em seus aspectos não construtivos. Daí que seja preciso traçar uma linha divisória, como tínhamos sugerido, e cuidar muito bem para que as atuações de uma e outra vida não sofram uma mútua interferência, nem que os pensamentos que devem atuar na nova vida se misturem com os da anterior. Estamos nos referindo, sempre, a tudo o que não é aconselhável para os fins perseguidos.

Para tal fim, será preciso criar um ambiente propício, que facilite o labor interno e ofereça à nascente individualidade todo o estímulo e alento que ela haverá de reclamar. O campo a ser-lhe oferecido terá de ser fecundo, para fortalecer e robustecer, a um só tempo, tudo o que pertencerá a essa individualidade que formaria o novo tipo psicológico do homem. A tarefa de criar outro ambiente diz respeito ao mundo interno, mas essa nova vida, essa nova individualidade, deve, logicamente, receber de alguma parte o eflúvio vital. Pois bem; esse eflúvio vital é o conhecimento que o ensinamento logosófico lhe oferece. Tal ensinamento é o que haverá de dar alento à nascente individualidade e, assim como lhe outorga o conhecimento, lhe dará os meios necessários para que possa eliminar todos os perigos que a ameaçam, e até para defender-se de suas velhas tendências e demais modalidades nocivas que possua.

Entretanto, para alcançar tão precioso triunfo, é preciso que o homem avance, avance sempre. E, se alguma vez tiver que se deter por qualquer motivo, deve aproveitar essa parada para meditar e pensar, seriamente, se lhe é dado tirar de sua vida as prerrogativas que para ela foram abertas com o fim de levá-la para mais perto da alma universal, que anima e faz palpitar o coração de todos os seres humanos. Se por um momento pensasse em quão penoso é estar constantemente desfazendo o feito quando deu começo à obra de si mesmo, com certeza decidiria de uma vez por todas continuá-la, sem desfalecer diante de nenhuma dificuldade.

Criar uma nova individualidade implica afastar-se daquele que antes se foi para ser aquele que se quer ser, o que será alcançado se, com o esforço continuado e o constante auxílio do ensinamento, cada um consegue sobrepor-se a todas as dificuldades e obstáculos que as deficiências próprias do temperamento humano fazem surgir a cada passo.

Nesse trabalho de constante superação integral, o homem deve colocar-se numa sólida posição, inalterável, que é a da observação serena, do exame imparcial, cujo fruto seja uma contribuição à sua inteligência, para aproveitar todo elemento útil e poder compreender melhor cada fato, cada circunstância e cada motivo que afete o processo de aperfeiçoamento que ele segue.

Tal observação deve ser feita sem a menor intenção de crítica, sem agitação, mas sim com o mais ardente anelo de progredir nos estudos e investigações, até alcançar positivos resultados e firmes e inapreciáveis conhecimentos sobre a psicologia humana, principiando pela própria. Vamos dar a respeito uma formosa chave: quando se enxergar um defeito no semelhante, deve-se ver esse defeito como se fosse próprio; tudo que se veja de mau ou defeituoso, ou que faça experimentar desgosto – sejam atitudes, modos, gestos, palavras ou ações –, deve servir para fazer uma apreciação acerca daquilo que pudesse haver de parecido no quadro psicológico de quem observa. Nesses momentos, deve-se chegar até a experimentar a sensação de que somos nós mesmos que estamos no lugar dos observados. Mais tarde, em seu ateliê, o gênio escultor aperfeiçoará sua escultura, modelando-a, retirando dela esses defeitos que viu como um retrato seu estampado nos demais.

Procurando bem, no âmbito mais profundo da pessoa – muitas vezes costumam ficar encobertas na recordação as atuações ou gestos já produzidos –, aprofundando as imagens, possivelmente se encontre em alguma delas um defeito similar. Se não for encontrado, menos trabalho custará modelar a nova individualidade e iluminá-la com vivas e puras expressões. Porém, ninguém pode dizer que não teve gestos impróprios ou atitudes que tenham provocado uma reação contrária no semelhante; e se depois volta os olhos para as palavras ditas, quantas delas também não puseram às claras deficiências internas. Dessa maneira, o entendimento se ocupará das próprias falhas e considerará como tempo perdido aquele que for empregado para criticar os demais, manifestando desgosto por suas deficiências e erros. A pessoa começará, portanto, a experimentar desgosto consigo mesma e a ser mais tolerante com o próximo, em vez de sê-lo excessivamente com as próprias faltas. Isto também fará com que se veja refletida, em cada defeito alheio, mesmo que seja de passagem, uma expressão de sabedoria, pois o fato de ver o mal por si mesmo ensina a modificar as próprias imperfeições. Tudo é útil quando no ânimo existe a disposição de considerar que tudo seja útil, que tudo seja benéfico, que tudo seja positivo.

Ver no esforço alheio a expressão máxima de boa vontade e tratar de que os olhos dos demais possam ver isso em nós; observar não somente os defeitos dos semelhantes, mas também tudo de bom, para ver se ele existe dentro de nós mesmos e, se não existir, criá-lo, se possível superando-o. Eis como surgirá, paulatinamente, a nova individualidade, firmando-se na consciência, encontrando sempre um elemento útil para utilizar em sua constante atividade de gênio criador, que vai lavrando dentro de si seu futuro destino. Não será um destino igual ao dos que marcham cegos pelos caminhos do mundo, por idênticas rotas, mas sem outros pensamentos que não sejam aqueles que colocaram na mente quando calçaram os primeiros sapatos.

Criar a si mesmo deve ser o objetivo máximo da existência do homem; criar uma nova individualidade, capaz de fazê-lo andar pela vida sem sentir as amarguras que, constantemente, experimenta por suas imprevisões e por sua indiferença a tudo o que possa ser um motivo de esforço para superar-se e alcançar metas mais altas e um destino melhor.

Carlos Bernardo González Pecotche – Raumsol

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